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Making of: Como fizemos o clipe de "Papai Noel Velho Batuta"?

16 Bits da Depressão

24/12/2019 08h04

Hoje vamos dissecar um de nossos 61 videoclipes estrelados por personagens dos games: ele foi feito especialmente para o Natal e pega carona na crítica social da banda Garotos Podres.

Garotos Podres é uma das bandas brasileiras de punk rock em atividade há mais tempo, desde 1982. Eles resistem em tempos em que a contracultura é cada vez mais esmagada pelo "mainstream" do status quo. A faixa "Papai Noel Velho Batuta" faz caber em poucos acordes um grito que passa distante do aspecto anti-natalino de Grinch e nos deixa um presente tão valioso quanto qualquer videogame: a oportunidade de externar a revolta contra as mazelas da desigualdade social.

Este é o terceiro ano consecutivo em que relembramos esta animação, que contempla diversos personagens de games da era 16 bits, com algumas referências da cultura pop e alguns toques pessoais. Como é um vídeo que acaba levantando a curiosidade e o fascínio de alguns de nossos seguidores, resolvemos destrinchar algumas curiosidades sobre ele.

Montando o elenco de sprites

Desta vez, como não se trata de uma piada, não corremos o risco de fazer com que a graça se perca ao explicá-la. Começando por apresentar o antagonista:

Saindo diretamente do jogo Daze Before Christmas, o nosso "bom" velhinho é a melhor representação da figura natalina já feita para consoles 16 bits, lançado em 1994 para o Super Nintendo e o Mega Drive.

Tendo selecionado a figura central do videoclipe, bastava selecionar nossa banda. E como sempre priorizo a harmonia visual da animação, a escolha precisava passar por personagens cartoonizados cujo aspecto visual se assemelhasse ao nosso velho batuta.

No contra-baixo selecionamos ninguém menos que o popularmente conhecido "Jim Cabeça de minhoca", do jogo Earthworm Jim. Um clássico multi-plataformas que se tornou conhecido por oferecer um jogo com aspecto cômico e recheado de animações muito bem fluídas.

Não ouse tocar nesta guitarra. Boogerman é conhecido por hábitos escatológicos, e a higiene passa longe. Também lançado para Mega Drive e Super Nintendo, seu jogo bebe da mesma fonte de Earthworm Jim ao levar a conotação cômica à clássica jornada heroica em plataforma.

Fechando nosso célebre trio musical temos Bubsy. Aquele mascote que divide opiniões entre aqueles que amam e odeiam os jogos da série. Quase como todo e qualquer baterista de bandas reconhecidas por aí.

Criando o clipe e as referências

Agora vamos soltar o clipe e ir comentando pouco a pouco conforme os versos e refrão são retratados pelas infames cenas contidas nele.

Após a introdução instrumental, o verso traz uma imagem que sintetiza exatamente o que a música expõe ao retratar a desigualdade social pela charge de um artista que infelizmente não reconheci, embora arrisque pelos traços se tratar do Latuff.

Em seguida observamos algumas representações literais dos desabafos escritos por José Rodrigues Máo Júnior em algum momento de 1982 após uma peça teatral que encenaria crianças carentes sequestrando Noel ter sido cancelada.

Este é um recurso humorístico que utilizo bastante nos vídeoclipes da 16 Bits da Depressão e que, por vez outra, acaba oferecendo o risco de anular ou soar como deboche da subjetividade proporcionada pela experiência musical. Esse é um problema que fica um pouco mais evidente em clipes como o Construção de Chico Buarque, porém acredito não se tratar de um grande empecilho neste caso, já que estas representações literais podem acabar chocando e, consequentemente, levando a reflexões sobre a crítica central da música.

Nestes versos, os principais sprites utilizados são de personagens extraídos do incrível jogo Epic Mickey: Power of Illusion, sendo o "porco capitalista" um redesign de um NPC do jogo MappleStory.

No segundo verso, achei interessante substituir a charge por uma figura real que representa muito bem o que estamos tratando. Mesclar pixel art com imagens reais é um recurso que raramente utilizo, e que ainda chega a me causar desconforto, mas ao mesmo tempo é perfeitamente necessário para trazer a reflexão para nosso cotidiano.

As demais cenas retratam os antagonistas presenteando ricos e cuspindo nos pobres, com foco em personagens da Disney que (para os mais desavisados) retratam a luta de classes há décadas.

 Após o anúncio de sequestro do "bom" velhinho resolvi inserir um alívio cômico que me fez ponderar bastante se realmente seria necessário e que, por fim, acabou se mostrando bem recebido pelo público. Afinal, quem é que não gosta de uma referência bem feita?

Na sequência, os trechos "aqui não existe Natal" mostram alguns cenários conhecidos do jogo Street Fighter, em países onde o Natal cristão não é celebrado por não fazer parte da religião predominante por lá. Por fim, o cenário do Brasil é exibido e, onde embora a religião cristã seja predominante, o verso cantado se manifesta no real sentido que é a privação do ritual natalino para classes sociais desprivilegiadas.

No verso seguinte houve outra oportunidade, e resolvi exibir uma fotografia da minha cidade "natal", Barra do Piraí.

Embora a desigualdade social não se faça tão presente em uma imagem, uma breve pesquisa sobre a história da região onde ela se localiza traz lembranças do período escravocrata onde, até recentemente, famílias que são tradicionais por ali até hoje lucravam com trabalho escravo nos engenhos de café.

Mas o que eu tenho a ver com isso?

Sobre toda esta abordagem de retratar a crítica dos Garotos Podres em sprites 16 bits, acho importante ressaltar que os videogames no Brasil, desde quando a música foi gravada nos anos 80, fazem parte de um tipo de entretenimento que ainda hoje é inacessível para boa parte dos brasileiros. Então para você que, diferente do "velho batuta", não rejeita os miseráveis, tenha em mente os retro games de feirinha, computadores antigos ou até mesmo o novo Mega Drive da TecToy como opção de presente para crianças carentes.

Ao lado vemos Eloah, feliz contemplada com o projeto social "Video Game Solidário", criado pelo analista de suporte André Batista para facilitar o acesso de crianças carentes ao lazer do entretenimento eletrônico. Conheça mais sobre o projeto aqui e considere fazer sua doação.

A poeira que se faz sobre os eletrônicos nos seus guardados certamente pode ser substituída por horas e horas de experiências emocionantes que muitos por aí não tiveram oportunidade de ter.

Sobre o Blog

Diversão, alegria e jogos eletrônicos! Ou decepção, sofrimento e um pouco mais de jogos eletrônicos? O 16 Bits da Depressão vai abordar os assuntos que estão em alta no universo gamer, sempre com muito bom humor e poucos pixels.